A Maratona da Vida

21.1.16 by Fred Maia
Tomamos conhecimento do desafio tardiamente. Quando soubemos, pensávamos que a prova seria dali a 32 semanas, mas ao pesquisarmos mais profundamente sobre os detalhes da prova, acabamos por descobrir que teríamos menos tempo do que o esperado. Bateu um certo desespero ao pensar no pouco tempo para adaptar a rotina, a infraestrutura e a logística do pré, intra e pós-prova. Mas depois da surpresa, eu e a Lud fizemos um bom planejamento (que obviamente não foi seguido à risca), o que nos deu mais segurança de que tudo ia se encaixar e funcionar. Fechamos com uma equipe de confiança que acreditou no projeto e nos acompanhou de perto até o final. Mês a mês passamos por avaliações de acompanhamento e tudo seguia como planejado. Foi quando, mais uma vez, um fato inesperado mudou nossos planos.

A Ludmila havia menstruado já grávida, um fato não tão incomum, e isso nos fez pensar que teríamos mais tempo até o parto. Quando na primeira ultrassonografia o médico perguntou Tem certeza?, é que tivemos a primeira surpresa. Estávamos grávidos de 16 semanas e não 8 como imaginávamos. A gente já imaginava as fantasias pra barriga da Lud, a gente aproveitando os bloquinhos no Centro maaaas.. Nosso carnaval de barrigão foi por água abaixo. Cleo, que era esperada para o final de Fevereiro, agora era esperada para final de Janeiro.

A Ludmila já havia corrido a Meia Maratona de Juiz de Fora, grávida, em Junho. E eu bem achei esquisito que ela chegou meio esbaforida no final. Cruzamos juntos a linha de chegada em exatas duas horas de prova. Nos dias que se seguiram ela enjoou um pouco, mas pensamos que a culpa era da feijoada em comemoração ao aniversário do pai dela, logo após a prova, junto com o esforço da corrida. Além dessa prova, rotina normal de treinos, o que viemos a descobrir que poderia continuar sem nenhum problema durante a gestação e pelo período que a Ludmila quisesse, sem prejuízo para ela ou para o bebê. A atividade física na gravidez só traz benefícios, principalmente para as mulheres que desejam o parto normal, o nosso caso. Com base nisso a Lud treinou para correr a Meia Maratona de Foz do Iguaçu enquanto eu correria a minha primeira Maratona. A barriga cresceu e a Lud achou melhor mudar o percurso para os 11,5km, e completou a prova linda, feliz e barriguda, com as Cataratas do Iguaçu ao fundo. Ela correu até o oitavo mês. Quando não conseguiu mais correr, fez funcional na academia e, por fim, caminhadas na areia até as 36 semanas de gestação.

A partir da 37ª semana, o bebê já pode nascer. A Laura, nossa primeira filha, nasceu com 40 semanas e, segundo os especialistas, era bastante provável que a Cleo imitasse a irmã.

Com aquela confusão de final de ano, confraternizações mil, aniversário da mais velha, natal e ano novo, o chá de bebê da Cleo acabou ficando pra Janeiro. Como temos a sorte de estarmos cercados de muitos amigos, fizemos dois eventos, um no Rio no sábado, e outro em Niterói no domingo. Na segunda-feira, entraríamos na 39ª semana de gestação, teríamos consulta com a obstetra e, na quarta, com as parteiras.

O evento de sábado foi uma delícia! Recebemos o carinho da família e de grandes amigos, no Hostel de um desses grandes amigos, em Santa Teresa. Festão! Enchi a cara e a Lud foi a motorista da rodada (durante toda a gravidez! Obrigado, meu amor!). Chegamos em casa depois das duas da manhã e fomos dormir por volta das 3. Fui acordado pela Lud às 5. Ela sussurrando, "Fred, Fred. Minha bolsa estourou." Laura dormia num colchão do lado da nossa cama pra aproveitar o ar condicionado ligado e nem se abalou. Acordei ainda bêbado, tremendo, catatônico com a notícia.
- E aí? Tá Bem?
- Tô.
- Teve Contração?
- Não.
- O que a gente faz? Espera?
- Sim.
- Então tá.. Vamos tentar dormir de novo?
- Melhor. Daqui a pouco a gente liga pra parteira.
- Ok.

Chá de sábado no Santinhas de Santa (Obrigado, Julio! facebook.com/santinhasdesanta).


Você, que está lendo, dormiu? Não, né? Nem a gente. As contrações não vieram e depois da primeira enxurrada de líquido da bolsa, só vazava de pouquinho em pouquinho quando a Lud ia ao banheiro. Levantamos de manhã, tomamos café e.. nada. A Lud se sentindo bem disposta. Não espalhamos a notícia até que as parteiras examinassem. O chá de bebê em Niterói marcado para às 17 horas. Os que já sabiam, estavam ansiosos pra saber se cancelávamos o chá ou não. Deveríamos chegar às 16:00 para reservar umas mesas. Às duas da tarde a parteira chegou, examinou, explicou tudo e disse que não havia problema manter o chá já que não havia contração. Iríamos ao Chá e voltaríamos pra casa antes das 21:30 para uma nova consulta. A nossa expectativa era que as contrações começassem antes de completar 24 horas do rompimento da bolsa, para que nosso "Plano A" fosse mantido. Se passasse das 24 horas, decidiríamos entre correr um pequeno risco e manter o "Plano A" ou partir para o "Plano B". Plano A = Parto Domiciliar. Plano B = Hospital.

Na iminência da chegada da Cleo, demos um pulo rápido no Shopping para comprar uma camisola e um soutien de amamentação e corremos (Não literalmente, tá gente!) para o local do evento. Estragamos a surpresa da decoração da mesa do chá com bolo, enfeites e mimos ao chegarmos mais cedo para reservar as mesas (Muito obrigado, meninas! Ficou tudo lindo!). O chá rolou com muita chuva, família e amigos mais que queridos. Mas no meio da folia, vazou uma nova enxurrada de líquido que o absorvente não deu conta e a roupa da Lud ficou molhada. Acabamos indo pra casa no meio da festa, o que gerou certa comoção. Apesar de todos terem achado que estávamos saindo dali direto para o parto, ainda não havia contração.

As responsáveis pela linda surpresa!

A linda surpresa.


Nova consulta com a parteira. Tudo certo. Aguardemos completar as 24 horas para tomarmos a decisão. Ficamos quietinhos em casa, na cama, conversando até adormecermos. Amigos e familiares desesperados por notícias. 4h30 da manhã veio a primeira contração. Que alegria! Nunca fiquei tão feliz em ser acordado a essa hora! A contração era sinal que manteríamos o plano que tanto queríamos. Avisamos as parteiras pelo telefone e começamos a nos preparar para o grande momento.

As contrações começaram bem tímidas, curtas, leves e irregulares. Somente a partir do meio dia que começaram a engrenar e manter um padrão. A Lud ainda conseguiu almoçar fazendo um intervalo entre uma contração e outra. Foi aí que a maratona começou de fato. Até ali, tinha sido só o aquecimento.

A partir de agora, amigo, se segure aí no sofá porque haaaaaaaaaaja coração!

Já estava tudo preparado. Tênis, meias de compressão, relógio gps, hidratação, alimentação, shorts, camiseta, viseira, chip e número de peito. A partir da hora do almoço, acabou a brincadeira. "O balgulho era à vera". Conforme passava o tempo as contrações aumentavam e o pace passou de 4 para 6 contrações por hora na primeira hora. Já não dava mais pra ficar deitada durante as contrações. Nas duas horas seguintes o pace chegou a 12 contrações por hora, uma a cada 5 minutos em média. A equipe dando todo apoio e monitorando os batimentos do bebê após cada contração. A partir dos 10km as peças de roupa foram ficando pelo caminho. Um banho quente ajudou a aliviar as dores nas costas. Estávamos no final da tarde e, apesar da intensidade das contrações, ainda não era a hora do sprint final, na verdade estávamos longe disso. Apesar da tensão e da exaustão, havíamos apenas passado da metade da prova, 21km, uma meia maratona. Para ajudar a relaxar, montamos a banheira inflável ao lado da cama. A casa estava cheia. Cerca de 10 pessoas para acompanhar, ajudar, emanar energias positivas e muito amor. Nunca se fez tanto café na minha casa. Porque assim como era importante relaxar, também era estar atento. O falatório e o tumulto me incomodavam um pouco mas a Lud estava tão focada no parto e nem notou o ambiente de confusão. A Laura teve liberdade para companhar tudo, na hora que quisesse. Entrava no quarto de vez em quando para me abraçar, dar um beijo na Lud e ver se estava tudo bem. Nos outros momentos, brincou, saiu, passeou, voltou. Antes de sair, nos disse que voltaria a tempo de ver a irmã nascer. Não deu outra. Depois de horas na banheira, o quadro não evoluía. A Lud não queria sair da banheira porque os momentos entre as contrações, ali dentro, com a água morna, ajudavam a relaxar. Ela já estava exausta depois de horas naquela situação onde já fazia força pra acabar logo com aquilo. Mas ainda não era a hora. O corpo ainda não estava pedindo pra ela fazer A Força, era a mente dela que não aguentava mais. O famoso paredão dos 30km que acomete os maratonistas. E ela repetia Eu não aguento mais, Eu não vou conseguir. A parteira conseguiu convencer a Ludmila de que uma mudança de posição, um banho, uma caminhada pela casa, ajudariam a Cleo a achar o caminho. Tiro certeiro. Fui com ela pra debaixo do chuveiro, com medo que ela caísse. As contrações vieram super intensas no banho. A barreira dos 30km ficou no chuveiro e então voltamos pro quarto para os últimos 10 km da maratona. O resto da casa demorou a sentir que o momento estava chegando até que os urros de força da Ludmila ecoaram por todo o bairro e a família se aconchegou no quarto, em silêncio para assistir a chegada da Cleo. Abraçado na Ludmila, eu repetia que eu já estava na linha de chegada de mãos dadas com a Laura e com a Cleo esperando ela chegar linda, feliz e sobrando. Num sprint final, Cleo escorregou por suas pernas. Dali para as mãos da parteira e em seguida para o seu colo. A multidão na linha de chegada não se continha enquanto pedíamos silêncio para contemplação daquele momento mágico.

Cleo veio ao mundo às 22:53 do dia 18 de janeiro de 2016, em casa, no aconchego do nosso quarto à meia luz, recebendo bem de perto o amor de seus pais e sua irmã, pesando 3.140g e medindo 48cm. A placenta nasceu em seguida. Linda. Esperamos o cordão parar de pulsar para então cortá-lo. Naquele instante, Cleo estava por ela mesma. Mas junto conosco. Sempre.

22:55
Obrigado, Gisela (fecebook.com/entretantosfotografia - Entretantos Fotografia), pelos cliques!


Que a vida continue nos brindando com experiências mágicas como essa, com uma família amorosa e amigos incríveis.

4 comentários:

  1. Incrível, emocionante. Feliz demais por vocês e pela história. Parabéns pela família e pelo lindo texto.

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  2. chorando muitoooooo... é muita emoção!!
    Que as bençãos do universo sejam intensificadas por toda vida...
    Com meu amor, tia Rita. Bjs.

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  3. Incrível, Fred.
    Parabéns para vocês e muita saúde para pequena Cléo.

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  4. Chorando que nem uma boboca. Não sei o que é mais lindo nessa história de arrepiar. Ludmila, Laura e Cléo, vocês merecem este marido e pai, Fred Maia, se eu já gostava muito de você, saiba que agora eu sei que te AMO cara.

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